Pequenas doses da sociedade sorvidas por mulheres em uma mesa de bar. Sem moderação.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Aborto. Uma questão de saúde pública.

Foto: Divulgação
No Brasil, o aborto é considerado crime, mas ainda assim, é praticado. Clínicas clandestinas e métodos caseiros inseguros são a realidade de muitas mulheres. E, em sua maioria, mulheres pobres. Segundo pesquisa realizada pela Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) no ano 2000 (que utilizou o método de urna, garantindo sigilo às mulheres e, conseqüentemente, qualidade da informação) 3,7 milhões de brasileiras, entre 15 e 49 anos, já induziram aborto.

Segundo a Secretaria de Saúde do Estado, só no Ceará, no ano de 2008, foram registrados mais de 25 mil e 300 internações de adolescentes, entre 10 e 19 anos, em decorrência de partos e abortamentos. Elas chegam com hemorragias e infecções, decorrentes dos métodos abortivos inseguros, que às vezes levam a morte.

“Não contei pros meus pais, a gente é católico, eles iam me matar. Fui logo numa clinica que minha amiga conhecia, mas era muito caro, quase dois mil. Ai, soube do citotec e tomei. Tive muita dor e comecei a sangrar muito. Fui pro pronto-socorro”, conta Ana*, empregada doméstica, hoje com 21 anos.

Métodos, como esse utilizado por Ana, provocam dores mais fortes do que as de um aborto natural. Além de, em alguns casos, induzir a ruptura do útero, ou deixar restos fetais (que deveriam ter sido removidos por curetagem no hospital) fazendo com que pus se acumule, invadindo a corrente circulatória da gestante. Isto é conhecido pelo nome de septicemia e é a causa de muitos dos óbitos dessas mulheres.

Para Maria*, professora universitária, 32 anos, o processo foi mais tranqüilo. Apesar de ter sido feito em uma clínica clandestina, sua condição financeira permitiu uma melhor assistência. “O médico viu o ultra-som, fez um exame de toque, marcou o dia e pediu que eu voltasse com 2 mil, em dinheiro. Uma semana depois fui ao local. Só lembro de tomar anestesia e apagar. Acordei sonolenta, com a curetagem feita. Tive um sangramento, o que, segundo o médico, era normal. Melhorei uma semana depois. Tive medo que minha família descobrisse, mas ninguém soube. Depois de alguns meses, comecei a trabalhar e viver a vida normalmente.”

Foto: Divulgação
Mas a cultura da condenação e criminalização do aborto gera uma dor ainda maior em muitas mulheres. “O pior foi o sentimento de culpa. Fiquei tão mal que perdi o colégio e acabei com meu namorado, a gente tava junto há um ano. Sonhava toda noite com bebês.” Lembra Ana.

Já Maria, encara a situação de forma diferente. “Acho que essa deve ser uma decisão da mulher, que é quem realmente sofre as conseqüências de ter um bebê na hora errada. Hoje estou casada há 3 anos, com o meu namorado na época. Pensamos em ter filhos, mas não agora. Ainda estamos aproveitando a vida a dois. Às vezes, penso no que teria acontecido se eu tivesse mantido a gravidez, mas sem culpa. Acredito que fiz o que era certo. Não me arrependo por não ter trazido ao mundo um bebê no momento errado.”

Em nosso continente há uma recente experiência de legalização do aborto. No México a lei descriminalizou o aborto até doze semanas de gestação. Os resultados são positivos para as mulheres, em especial, as mais carentes. Não se vêem internações decorrentes de manobras abortivas perigosas. A lei beneficia também a sociedade e ao Estado. Menos complicações médicas (geralmente mais custosas que o aborto) e menos abandonos de recém-nascidos.

No Brasil, sendo o aborto ilegal e conseqüentemente clandestino, os órgãos de saúde não têm controle algum. As únicas estatísticas são do número de mulheres que conseguem chegar ao SUS. Se fosse legalizado, se tornaria visível e aí teríamos dados para analisar as questões sociais que cercam o problema. Além disso, seria possível promover campanhas e programas de educação sexual e métodos contraceptivos para reduzir os abortamentos no país.
Veja mais: vídeo "O aborto os outros"

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